quinta-feira, julho 10, 2003





The Modern Lovers - The Modern Lovers (1976, Beserkley Records)

O primeiro (e único) álbum dos Modern Lovers fez parte do meu imaginário juvenil. Era curioso para conhecer esse álbum desde que li uma resenha do José Augusto Lemos na revista Bizz.

Se era uma banda que econtrava um equilíbrio entre Stooges e Velvet Underground ainda não sei. Vejo alguns ecos do Velvet sim.

Jonathan Richman não era êmulo nem de Iggy Pop ou Lou Reed. Um cantor singular sem maneirismos vocais, se desconsiderarmos o descuido habitual proposital de quase falar sobre as bases tocadas por ele, David Robinson, Jerry Harrison e Ernie Brooks.

Ouça e lembre-se que apesar dos Strokes serem bons, os Modern Lovers fizeram antes e muito melhor.





The Modern Lovers

Por José Augusto Lemos



Do punhado de pessoas que já ouviram falar em Jonathan Richman, a maior parte delas ficou conhecendo seu nome através da gravação de "Roadrunner", feita pelos Sex Pistols, na trilha de "The Great rock'n'roll Swindle".

A história do garoto que, com o seu carro em alta velocidade com o rádio ligado, se descobriu um "apaixonado pelo mundo moderno", botou os discípulos do levante punk para caçar os disco deste precursor de Boston, Massachussets. Uma missão quase impossível - achar os discos de Richman e sua banda, os Modern Lovers - mas que, uma vez cumprida, trazia a recompensa de se encontrar o verdadeiro elo perdido entre o Velvet Underground, os Stooges e a renascença do rock'n'roll nova-iorquino, que foi puxada pelos New York Dolls no início dos anos 70.

Nada comprovava melhor o caráter pacifista dos hippies do que o fato de Richman não ter sido linchado no campus da universidade, entre 70 e 71, quando - de cabelo bem curtinho - cantava, para todos ouvirem, canções como "I'm Straight" ("Eu Sou Careta"). O garato era o mais assíduo freqüentador de shows do Velvet Underground e dos Stooges e, em pouco tempo, montou os Modern Lovers - pois se "sentia muito sozinho". Junto a Ernie Brooks (baixo) Jerry Harrison (o futuro Talking Heads, nos teclados) e David Robinson (na bateria, depois The Cars), Richman usou com chassis instrumental para as suas peculiaríssimas letras uma propulsão encorpada, simplória mas energética, com que as guitarras e o órgão em uma única camada comandavam a clássica "What Goes On", da banda de Lou Reed e John Cale. A mesma base sonora, não por acaso, dos dois primeiros álbuns dos Talking Heads. Além do que, a imagem de rapaz simultaneamente ingênuo e sério retratada nas letras de Jonathan Richman prefigurava a persona "pré-tropicalista" de David Byrne. Como letrista, o cabeça dos "Amantes Modernos" foi insuperável. Em "Pablo Picasso" obtinha a proeza de rimar o nome do pintor com "Asshole", no lapidar verso: "Às vezes você tenta ganhar uma garota e ela te chama de cuzão/Isso nunca aconteceu com Pablo Picasso". E existiram poucas baladas românticas tão originais como "Hospital" em que o protagonista amarga a espera da saída da namorada internada. Em 72, a banda atraiu a Waner, que a levou para Los Angeles, onde gravaram uma demo com John Cale (à esta altura, ex-Velvet e produtor do primeiro álbum dos Stooges), claro, escolha de Richman.

As gravações arrepiaram os executivos da gravadora e ficaram só acumulando poeira em alguma prateleira até que o selo Beserkley as lançasse, quatro anos depois, em forma de "álbun de estréia", capa preta com um coração azul, The Modern Lovers. Apenas duas outras sessões de gravação foram feitas antes de Richman desmontar o grupo original e partir para outra: uma iniciativa auto produzida num estúdio em Boston, logo após a volta de Los Angeles (da qual algumas faixas engrossam o disco da Beserkley), e outra demo produzida pelo incansável agitador californiano Ken Fowley, em 73. Esta última acabou sendo o segundo único registro dos Modern Lovers, também lançado postumamente, pelo selo inglês Bomp! Amadorísticas até a medula, estas gravações valeram mais como curiosidade e ítem de colecionador: não chegavam perto das produzidas por Cale, estas sim, verdadeiros documentos. Mais até do que os New York Dolls, os ML, deram um "too much, too soon" e estavam ao menos quatro anos à frente de seu tempo. Hoje, uma banda como Ween traz uma excentricidade debilóide aparente, embalada em melodias infantis, que é um verdadeiro tributo a Richman. Se não for imitação pura e simples...

Richman está à frente de New York Dools, Suicide, Television, Ramones etc, perdendo em importância só para o Velvet e os Stooges. E ele segue solo cantando a vida no mato, um sorriso e olhos faiscando com uma inteligência que não estamos acostumados a ver no rock'n'roll e no pop. Uma história antiga: a profecia está cumprida e visionário feliz no casulo quentinho do ostracismo.