quinta-feira, fevereiro 27, 2003



Foto de Misha Danovski


ÍNTIMA FRACÇÃO



É sempre um grande prazer reencontrar velhos amigos. Ultimamente alguns são apenas textos, vozes transmitidas a distância e o compartilhamento de informações musicais e autorais via e-mail e weblogs.

Hoje li o blog do grande André Santos, Nocturno 76 , e encontrei nos links algo que me recordou bastante o ano 2000: um blog intitulado "Íntima Fracção". Deduzi que só poderia se tratar de uma página escrita por Francisco Amaral, apresentador de um programa com o mesmo título da emissora portuguesa TSF. E era mesmo, e foi uma grata surpresa ter notícias deste amigo que conheci através do finado Napster.

Se hoje conheço Delgados, Perry Blake e muitos outros artistas, devo ao Francisco e ao seu Íntima Fracção, um programa totalmente idiossincrático e depretensioso.

Lembro-me de ouvir a voz de Francisco dizendo: "Pouco para dizer, muito para escutar, tudo para sentir". Máxima que define perfeitamente o "Íntima Fracção".

domingo, fevereiro 23, 2003



David Bowie, Hunky Dory (1971)



Virtudes, apenas virtudes.



David Bowie é o cara. Dificilmente encontraremos muitos artistas que possuem tantas obras-primas consecutivas (eu sei, há Beatles, Velvet Underground, Bob Dylan e Rolling Stones).

É tão difícil escolher o melhor disco do cara e complicado torna-se quando se trata da década de 70, na qual ele reinou absoluto como o artista mais compentente e inovador. Por isso, ao escolher o melhor, decidi incluir mais um crítério: a capa mais bonita.

Somando todas as forças, músicas e ganchos escolhi "Hunky Dory" de 1971. Gosto tanto desse disco que recentemente encontrei na internet um sítio que vende um livro com todas as tablaturas para guitarra do álbum. Sei que é muito fácil conseguir todas através da rede, mas que é cool ter um exemplar destes na estante é.




Hunky Dory - Transcribed Guitar Scores




terça-feira, fevereiro 18, 2003

Viver na Amazônia





Mark Eitzel fotografado por Chris Buck

Deu na Folha On Line sobre o festival Solitude em São Paulo:


“O veterano do festival é o atormentado Mark Eitzel. Filho de militar, ele se mudou para San Francisco em 80 para montar uma banda punk. Em 83, fundou a cultuada American Music Club, que juntava a energia do punk com a tradição do folk americano -mistura que parece óbvia hoje, depois do sucesso de bandas como Wilco e Lambchop. Sua poesia é um caso à parte.

Vendo o mundo pelo fundo de uma garrafa, Eitzel é autor de belíssimas letras, embriagantes e embriagadas, que entoará em São Paulo acompanhado apenas pelo violão.”

Ele toca nos dias 19, 20 e 21 no Sesc Vila Mariana.



E eu, impossibilitado pela geografia e pela falta de grana(teria que gastar mais de R$500), não poderei ver e ouvi-lo.


Certamente nunca o verei. Lamento profundamente.

sábado, fevereiro 15, 2003

Imaginary Bands



Tenho paixão por criar capas de disco, inventar nomes de bandas e, até mesmo escrever suas “biografias” e resenhar seus discos.

Selecionei os melhores imaginários dos anos 90, porque só há bandas perfeitas na imaginação.







The Actors – The Actors (1991) Gloom Tag



Segundo e definitivo álbum dos Actors, banda formada por Jeff Crayon (vocais e guitarras), Dave Nichols (baixo e vocais) e Lou Sousa (bateria e vocal) tem momentos incríveis em canções como “Helen”, “Cinema If You Want” e “Stolen Drags”.






Lob Joe – Greetings (1997) Mezzo Cake


Álbum de estréia de Ben Cetera sob o alter-ego Lob Joe, disco que cativa pela presença de uma sonoridade alt. country sob estruturas minimalistas e conceituais. As letras discutem saudações mecânicas das pessoas e a rotina matemática de pessoas que vivem numa cidade imaginária chamada Santa Gray.






The Shade Marbles – The Shade Marbles (1994) Great Pilate


Muitas pesoas não esperavam que os Shade Marbles repetissem o êxito de “South Decades”, primeiro álbum do duo, mas “The Shade Marbles” conquistou público e crítica e foi eleito álbum do ano em muitas publicações. Não era para menos, um disco que tem uma seqüência tão perfeita nas quatro primeiras canções (“One Exit”, “Lime”, “Group Monkeys” e “Murders in the Park”), não poderia passar desapercebido.







Moog Box – Simple Rage (1996) Moog Owner Records


O disco mais calmo de 1996 enfrentou uma série de contratempos para o seu lançamento. Demitidos da Great Pilate, os caras do Moog Box montaram seu próprio selo e ousaram fazer um álbum completamente antagônico em relação ao primeiro (“Smog Snakes”). "Simple Rage" é lento, lírico e sublime.






Natasha – Hidden Homework (1995) Chelsea Birds Inc.


Natasha Bantz tinha apenas 13 anos quando escondida, registrou num gravador de quatro canais do estúdio caseiro de seu pai (produtor musical), as canções reunidas neste álbum. Ao piano (“Teremin”, “Goats”, “Luke”, “Chinese Umbrellas” e “I Only Have Eyes 4 U”) ou no violão (“Bed”, “Flavor”, “Cherry Nasty”, “Sister” e “Drive Me”), Natasha encanta pela despretensão e pela precoce maturidade musical.






Victor Cortázar – Primeiros Temas (1999) Românticas Gravações


O disco de estréia de Victor Cortazar possui melodias estranhas, profusão de instrumentos e ótimos temas que ora esbanjam inteligência (“Carros”, “Música Fast Food”) ora originalidade (“Protrouble”, “Física” e “Mente”).






Dinamo – Shape (1992) Great Pilate


Grande exercício de música eletrônica, a música do trio Dinamo é pungente, dançante repleto de boas idéias e esperta inserção de intrumentos não muito usuais na música eletrônica (cítaras, oboés e pianos).






Fear Trouble Sea – Being There (1990) Road Jr.


Só o conceito deste álbum o torna obrigatório em qualquer coleção: uma trilha sonora imaginária para o filme “Being There” (estrelado por Peter Sellers e Shirley MacLaine) com instrumentais e apenas quatro canções com vocais.

"Being There" seduz pela riqueza de detalhes e por movimentos que se encaixam perfeitamente na concepção do filme de Hal Ashby.







The Blank Strikers – The Blank Strikers (1993) MonoEasyChord


Sombrio. Melhor adjetivo para qualificar este trabalho dos Blank Strikers. As canções reservam atmosferas obscuras, ornamentadas por um rico instrumental. A voz de Monica Hendriks é um verdadeiro tesouro.






Grand Solaris – Green Roses (1999) Palante


Duo eletropop formado por Caesar Felix e Nona Monteiro. Green Roses lembra por vezes um Black Box Recorder melhorado, tudo por conta dos climas sonoros criados por Caesar e da voz dócil de Nona. Destaques: “Green Roses” e “Metal Machine Couples”.





domingo, fevereiro 09, 2003


Qualquer forma de amor vale a pena






69 Love Songs – The Magnetic Fields (Merge, 1999)



Desde tempos imemoriais, o amor é tema central da música e da poesia. Quantos corações partidos não existem desde que homens e mulheres tentam se relacionar quase sempre embevecidos por algo impalpável e intangível quanto o amor?
Os trovadores, quando desejavam conquistar suas amadas, expressavam a “coita” (sofrimento amoroso) através das cantigas de amor; Bocage desistiu da Arcádia Lusitana para libertar sua poesia de convenções neoclássicas em busca do supra-sumo desse sentimento. Muitos jovens imitaram o suicídio de Werther à constatação da impossibilidade de plenitude.

Música e poesia possuem ligações anteriores às fronteiras da separação imposta, entre elas, pelo Humanismo.

E os multi-significados do sentimento? As ambigüidades? Todos foram expressos por romances, canções, poemas, filmes.

O que dizer da infinita amizade entre Jônatas e Davi? E Dorian Gray (autêntico alter-ego de Oscar Wilde)? Queria ou não, o excesso de sentimentalidades constantes em quase todas as eras sempre existirá, fugindo ou não de clichês.

Stephin Merrit, cantor e compositor, líder dos Magnetic Fields, compositor competente, injetou nos anos 90 uma levada de rock que mistura sons de banjo, cello, acordeom, com música eletrônica. Suas canções de amor, ora indigentes, ora sarcásticas expressam a melhor crítica contra costumes passadistas e proclama a o amor de todas as formas, sem preconceito.

Em 1999, Merrit escreveu o que podemos chamar um “tratado” sobre canções de amor para todos os gostos, da melodia mais “óbvia” à mais experimental no ótimo álbum triplo “69 Love Songs”. Projetado para conter 100 canções, o álbum levou 3 meses de criação e 9 meses em gravação, com 24 artistas convidados com 69 músicas sobre amor divididas em três cds com 23 canções cada, que podem ser adquiridos separados ou juntos numa luxuosa caixinha e caprichado livro com fotos e entrevistas.



The Magnetic Fields



Os vocais são divididos entre Stephin Merrit (a maioria), Claudia Gonson (vocalista dos Future Bible Heroes, outro projeto de Merrit) e convidados como LD Beghtol, Dudley Klute e Shirley Simms.

São muitos os temas relacionados ao assunto amor numa profusão de estilos musicais, e vários instrumentos entre cravos, banjos, violinos, cellos etc. e da incensada característica de Stephin Merrit como compositor: uma verdadeira enciclopédia de melodias.





69 Love Songs, vol. 1 comporta temas como amores equivocados (“Absolutely Cuckoo” com melodia quase infantil); solidão: “o único sol que conheci / foi sua rara beleza / desde que você se foi / é noite o dia todo / e chove sempre /As únicas estrelas que realmente existem / estão brilhando nos seus olhos / Não há nenhum sol exceto / o único que nunca brilhou sobre outros rapazes / A lua por quem os poetas suspiram / foi abandonada e morreu / a astronomia deve ser revisada” em “I Don’t Believe In The Sun”; Há letras propositadamente melodramáticas como “Reno Dakota” cantada por Claudia Gonson acompanhada por um banjo: “Reno Dakota não há a mínima bondande em você / pois sabe que me encanta / e ainda não me chama / me fazendo entristecer / Reno Dakota esgotei minha cota de lágrimas para este ano / ai de mim, ai meu Deus / você não me chama de volta / você só pode estar desaparecido / isto me faz beber cerveja / Eu sei que você é recluso / você sabe, não há desculpas / Reno isto é apenas uma artimanha / Não brinque rápido e nem abandone meu coração."

Há diversão/desolação em “Let's Pretend We're Bunny Rabbits”, e “I Don't Want to Get Over You”; melodias assobiáveis em “I Think I Need a New Heart” e “All My Little Words” (a melhor música desse primeira volume): “És uma esplêndida borboleta / Serão tuas asas a te embelezarem? / Eu posso fazer-te voar distante / Mas nunca fazer com que fiques / Nem por todo chá na china / Nem se como um pássaro eu cantasse / Nem por toda Carolina do Norte / Nem por todas minhas pequenas palavras / Nem mesmo se te escrevesses / a mais doce canção. / Não importa o que faço / nem por todas as minhas pequenas palavras (...)”

69 Love Songs, vol. 2 é tão bom quanto o primeiro, começa com L.D. Beghtol (um dos vocalistas convidados) à capela em “Roses” seguida pela “jazzística” “Love Is Like Jazz”. “When My Boy Walks Down The Street” é uma das canções de apelo homossexual, assim como a belíssima “Papa Was a Rodeo”: “eu vejo aquele "beije-me" enrugado se formando / mas talvez você deveria tapá-lo com uma cerveja porque / Papai foi o rodeio / Mamãe uma banda de rock and roll / Eu posso tocar guitarra e laçar uma novilha / antes eu aprendi a esperar / Casa foi qualquer lugar movido a diesel / amor foi a mão de um caminhoneiro / Nunca perambulei por aí procurando amor por uma única noite / Antes de me beijar você deveria saber / Papai foi o rodeio. / A luz refletida na bola de vidro parece um turbilhão com mil olhos / Eles me fazem pensar que eu não deveria estar aqui por nada / Você sabe, a cada minuto alguém morre / O que estamos fazendo neste bar decadente? / Como você pode viver num lugar como este? / Por que você não quer entrar no meu carro? e eu o terei, darei aquele beijo agora.” e na Abbaesque “Long-Forgotten Fairytale”: “te vi pela última vez no verão / você me disse detestar longas despedidas / e que não havia nada a explicar / em cada vida uma pequena chuva et cetera / e um conto de fadas há muito esquecido / está nos seus olhos novamente / fui pego dentro do mundo dos sonhos / onde as cores são mais intensas e nada faz sentido. / Há uma cidade flutuante de edredom / numa nuvem de mistério / Há um velho castelo encantado / e a princesa que há sou eu / enfeitada como uma árvore de natal. / Eu você continua com sua piadinha / mas eu perdi o meu senso de humor”.


69 Love Songs, vol. 3 possui algumas canções “tradicionais”, com roupagem passadista ecoando Kurt Weil (“Zebra”), temas eruditos bacheanos (“For We Are the King of the Boudoir”) e canções dos mais variados estilos. “Blue You”, tem a atmosfera instrumental que parece ter saído de “A Manhã” de Grieg. Claudia Gonson emociona à Joan Baez na folk “Acoustic Guitar”: Violão, eu te farei uma estrela /Terá sua foto estampada por todo o mundo / Você poderá ter seu próprio carro / traga apenas de volta a minha garota / Ela sempre amou o som do seu dedilhado / você a faz pensar que talvez eu não seja tão burro / Ela tende a desfalecer ao som do tambor / Porque ela é folk, / então toque e talvez ela virá.”. Há também um inusitado encontro entre Stephin e o lingüista Ferdinand de Saussure em “The Death of Ferdinand de Saussure”: "Conheci Ferdinand de Saussure numa noite como esta. / No amor ele disse "não tenho certeza / eu até sabia o que era / sem entendimento, nem conclusão. / Isto é um castigo merecido / Você não pode utilizar escavadeira para estudar orquídeas, ele disse, 'então / Não sabemos nada / Você não sabe nada / Eu não sei nada sobre o amor / Mas não somos nada / Você é nada / Eu sou nada sem amor' / Sou apenas um grande compositor e não um homem violento, / mas perdi minha compostura e atirei em Ferdinand.”. Tente ficar parado em “I'm Sorry I Love You” com vocais de Shirley Simms, impossível.

69 Love Songs é um álbum difícil de se resenhar, são tantas qualidades reunidas em 69 canções que precisaria um compêndio para explicar esta obra-prima. Foi ignorado pela maioria das listas de melhores dos anos 90, mas ainda há tempo de corrigir o erro. Mas atenção: ecletismo e falta de preconceito são indispensáveis para a apreciá-lo.