quarta-feira, julho 23, 2003



Frances Farmer



Frances Farmer terá sua vingança



Frances Farmer era um estonteantemente bela atriz e estrela do cinema (nascida em 1914, em Seattle), que tinha tido muito êxito em Broadway e em Hollywood. Porém, ela era uma ativista política radical, simpatizante comunista e de uma natureza rebelde e agressiva (quando ela tinha 15 anos, ganhou uma viagem para a União Soviética, como prêmio para uma composição escrita por ela). Depois de várias brigas com as autoridades, em 1942 ela foi declarada injustamente como sendo ' mentalmente incompetente' e internada pelos pais em uma série de sanatórios e hospitais psiquiátricos públicos, onde todas as terapias tentadas não foram capazes de domesticá-la e trazê-la à "normalidade ". Assim, em outubro de 1948, no obscuro Western State Hospital, em Washington, à idade tenra de 34 anos, o famoso neurocirurgião Walter Freeman que foi praticamente o unico responsável pela popularização da lobotomia prefrontal nos E.U.A. foi contratado pelo diretor do Hospital para realizar a sua também famosa lobotomia transorbital em Frances Farmer. Ela foi liberada em 1953 do Hospital, já sem ser uma ameaça para sociedade. Ela se sustentou inicialmente com trabalhos temporários, como recepcionista em um hotel, mas posteriormente conseguiu se reintegrar ao "show business", aparecendo em programas de TV e tendo o seu próprio "talk show". Ela morreu de câncer em 1970.

quarta-feira, julho 16, 2003

Arde - Migala
Acuarela, 2001



Caro Júlio,

Não escrevi antes porque houve o rompimento de fibras óticas em algum lugar, isso deixou Rondônia sem acesso ao mundo, ou será que o mundo ficou sem acesso a Rondônia? (Deve ter sido pior para o mundo.)

Sim senhor, o tal, ou a tal, como dizem os lusitanos, Migala é de por as vísceras frias. Deus do céu, o que começa com uma guitarra tranqüila, uma bateria tão soltinha... sei lá o que é isso... já na segunda música eis aquela "harmônica?" com cara de música "francesa?" e aquela percussão que lembra um "xilofone?" em alguns momentos, vixe nossa até os "ruídos/distorções?" doem...

A terceira que lembra Tindersticks, assim como a quarta que começa com a bateria que lembra Ten New Songs, é deliciosamente triste. A propósito, minha ignorância não me permite analisar melhor mas, a quarta tem sua melancolia mitigada pelos sons de trânsito e "colisões?" e por diálogos "divertidos?", em espanhol, respondidos por monossílabos...

Enfim Júlio, seja pelo cello melancólico e grave, pela percussão "sombria/gótica?", o clima é de dor/solidão/perda/morte/consternção/reflexão, é algo que decididamente me gela as vísceras, me constrange os colhões...

Ah, como diria o prosélito de Kierkegaard, o clima é de desespero, seja por não "acreditar mais na humanidade", em decorrência de transtornos burocráticos, seja pela desolação diante da complexidade mesma do ser humano... o cello é comovente sempre... o som da "harmônica?" cheira a choro, sei lá... la noche... the guilt... la espera... tudo não é lindo e maravilhoso, é ,isto sim, sombrio/triste e pesaroso.

Haja existencialismo barato pra gente parafrasear. Busquemos as enciclopédias.!!!

Abraços Julião.


Por Leonildo Camilo Rosa

***


Eu já pedi mil vezes, mas ele não me leva muito em consideração. Trocaria todos os meus texos por um parágrafo dele.
Escreve bem, é mais inteligente - e o pior, finge não saber disso. Leonildo, deixa de ser fresco e monta seu blog e brinde-nos com a elegância de tuas palavras.

domingo, julho 13, 2003





Sou um senhor repleto de preconceitos. Minhas opiniões valem mais do que a experiência e a observação. Não me sinto ajustado a esse tempo, tampouco ao país onde vivo.

Culpa minha. Tudo minha culpa - à busca da inútil supercivilidade. Quem sou eu?

Resposta: um senhor repleto de preconceitos.

Sou um indivíduo quase sempre melancólico por que gosto de ser assim.

***




Migala


Mudando de assunto (ou não?) os espanhóis do Migala arrebataram de vez a minha admiração. Seus quatro álbuns servem de trilha sonora para as minhas duas últimas semanas assim como tenho visto filmes do Hitchcock.

Não sei se há muita relação entre Migala e o Hitchcock - talvez se confirme porque tive um retorno à obra do Fernando Pessoa (inspirado pelo meu amigo, Camilo Rosa - quase sempre).

Nunca vi os filmes de Hitchcock pelo rótulo "suspense" e sim boas histórias contadas sob uma direção perfeita, ofício de mestre.

Quanto aos Migala, posso ainda escrever um pouco sobre seus álbuns e os matizes de cada um.




Migala - Diciembre, 3 a.m.
Acuarela, 1997


O álbum de estréia dos Migala é o mais experimental do grupo. Talvez porque agrega influências de Sonic Youth, Mazzy Star, Smog - somadas ao desespero de Leonard Cohen, Nick Drake e Nick Cave.

Diciembre, 3 a.m. dá argumentos de sobra para a evolução contida nos outros álbuns.

Entre os 18 temas que compõem o álbum, destaco "That Woman", as duas versões de "Isabella Afterhours", "Last December", "Schizo-Doubt", "Noise & Percussions", as versões "Fade in to You" dos Mazzy Star, e "Moon River" de Henry Mancini e Johnny Mercer para a trilha do clássico Breakfast at Tiffany's - Bonequinha de Luxo no Brasil, de Blake Edwards.




Migala - Así Duele Un Verano
Acuarela, 1998


Mais contido que a estréia, Así Duele Un Verano inicia-se com sons de gaivotas e um acordeão em "Wait The Ships Come Back", seguindo por dois outros temas instrumentais "The Whale" e "320 m. to the surface".

"Low of Defenses" apresenta um ambiente tão bonito, quase catártico, próximo dos temas do sucessor, "Arde".

"The Gurb Song" é, sem dúvida, o melhor momento de Así Duele un Verano:

“Queria que alguém entrasse em minha vida como um pássaro entra em uma cozinha e começa a quebrar coisas e esbarrar em portas e janelas, deixando caos e destruição. Por isso aceitei seus beijos, como quem ganha um panfleto no metrô. Sabia, não me pergunte porque ou como, que dividiríamos até nossa pasta de dentes.

Nos conhecemos melhor cuidando das cicatrizes um do outro, evitando chegar perto demais de saber demais. Queríamos que a felicidade fosse como um vírus que alcança todos os lugares de um corpo doente.

Transformei minha casa em um colchão d'água e seus seios em castelos de areia negra. Ela me deu suas metáforas, suas garrafas de gin e sua coleção de selos da África do Norte. À noite, conversávamos em sonhos e sempre, sempre concordávamos. Os lençóis pareciam-se tanto com nossas peles que paramos de trabalhar.

O amor tornou-se um homem forte, terrivelmente acessível, um mentiroso, com grandes olhos e lábios vermelhos. Ela me fez sentir novo. Assisti a ela se foder, lose touch, ouvimos Nick Drake em seu gravador e ela me disse que era escritora. Li seu livro em duas horas e meia e chorei o tempo todo como se estivesse assitindo Bambi.

Ela me disse que quando eu achasse que ela tinha me amado tudo que poderia, ela me amaria um pouquinho mais. Meu ego e seu cinismo se deram muito bem e nós dizíamos "o que você faria se eu morresse?" ou "e se eu tivesse Aids?" ou "você não gosta de Smiths?" ou "vamos trepar agora".

Deixamos nossas impressões digitais por todo o quarto. O café da manhã era feito automaticamente, e se viesse em um carrinho, sem as mãos. Competíamos para ver quem tinha os melhores orgasmos, as visões mais bonitas, as maiores ressacas. E se ela engravidasse, decidimos que seria culpa das mãos de Deus. O mundo era nossa ostra. A vida era a vida. Então ela teve que voltar para Londres, para ver seu namorado e sua família e seus melhores amigos e seu bichinho chamado "Gus". E sem ela, virei uma bagunça.

Pintei minhas unhas de preto e cortei meu cabelo.

Abro minha coleção de fotos e nosso passado pode ser ilimitado e eu sei que o processo é fatiar cada seção da minha história, deixando-a mais magra e mais magra até que fique sozinho com ela. Sinto-me uma merda o tempo todo, não importando quem eu beijo ou o quão galante tente ser com meus novos pássaros. É esse é o ponto, não é? Novos pássaros que vão me jogar ao longo de um fio do subterrâneo para o céu, para o mundo”.

O melhor texto do álbum (aqui traduzido por Clarah Averbuck) é recitado por uma base que lembra os Tindersticks.

Há ainda as belas “Ancient Glaciar Tongues”, “On not given farewells...”, “Unlost memories”, “Regular Storm Sounds”, e “When I Go, I Go”.




Migala - Arde
Acuarela/Sub Pop, 2001


O terceiro álbum do Migala adquiriu tanto respeito que cativou os “executivos” da “independente” Sub Pop a lançá-lo nos EUA com novo projeto gráfico. O disco recebeu resenhas entusiasmadas em várias publicações.

Não era para menos. Arde tem atributos indescritíveis e seria perda de tempo tentar enumerá-los. Melhor gravado e produzido, é certamente uns dos discos mais tristes que já ouvi.

O mote é o fracasso: “Todas as garotas destes tempos de desastre querem uma festa que eu não são capaz de dar” (“Our Times Of Disaster”) e a tragédia “Seu eu pudesse, por um minuto, sucumbir ao desastre de todo dia, deixar-me ir, desapegar-me... Acho que seria possível colidir com um dos estranhos que costuma cruzar pela rua e ter uma premonição de felicidade. Mas agora, é claro que não posso e, provavelmente, um daqueles fantasmas viria toda a noite fustigar minha estúpida culpa, como se fosse um anel de fogo. E quando eu finalmente dormisse, seria sempre o mesmo sonho: areia caindo rapidamente em um sino de vidro. A areia muito clara, o vidro tão frágil”.

Circulam fantasmas por todo o álbum. “Primera Parada”, “Primer Tren De La Mañana” e “El Caballo Del Malo” demonstram que Arde faz as pazes com as raízes espanholas do grupo; “High of Defenses” é a continuação de “Low of Defenses” do álbum anterior. E a emotividade contida em “Last Fool Around” pode levar o ouvinte às lágrimas: “Hoje é um dia de desastre. Estou no mesmo bar. Gente conhecida a passar distante. Somente a meu primo saúdo, quando sai para comprar pão e cigarros. E através do cristal, as mulheres olham por cima do ombro. Deveria haver algo mais nestes tempos, mas sinto que o melhor que posso fazer. (Pergunto-me se posso pagar a conta). As paredes falam de seu passado. É difícil falar sem ira (destes tempos ), mas me alegro em falar sem ela. Agora estou feliz porque alguns se casaram e tiveram filhos para sua felicidade. Sei que deveria fazer algo mais do que ler poesia”.




Migala – Restos de un incendio
Acuarela, 2002


O mais recente álbum do grupo, Restos de um incêndio, é composto por canções já conhecidas do grupo. Não se trata de uma coletânea, mas sim a releitura de algumas canções do álbum anterior, fugindo à mera reprodução de idéias já utilizadas.

Soa como um álbum inédito e merecedor de atenção.

Os títulos das canções estão grafados em espanhol e os arranjos ainda mais elaborados em “La Cancion de Gurb” em versão instrumental, “El pasado diciembre” ainda mais arrebatadora, assim como “El ultimo devaneo” e “Tiempos de desastre”.

“Instrucciones Para Dar Cuerda A Un Reloj” tem texto de Julio Cortázar, e provavelmente lido por ele mesmo, sobre o instrumental composto pelos Migala.

sexta-feira, julho 11, 2003





Nick Cave & The Bad Seeds - Kicking Against The Pricks
Mute Records, 1986


Sabemos que álbum de covers quase sempre são horríveis e inaceitáveis ora por respeitarem demais as versões originais, ora por transformá-las radicalmente.

Nenhuma destas possibilidades se aplicaram quando, em 1986, Nick Cave lançou o belíssimo "Kicking Against The Pricks".

Cave é um cara inteligente. Preferiu unir a tradição e seu idiossincrático estilo musical para construir uma obra de grande esmero, que emite brilho para todos os horizontes a marcar destaque em sua discografia.

A escolha dos homenageados interessa muito ao universo caveninano. São os Velvet Underground ("All Tomorrow's Parties), Jimi Hendrix ("Hey Joe"), Jimmy Webb ("By the Time I Get To Phoenix"), John Lee Hooker ("I'm Gonna Kill That Woman"), Leadbelly ("Black Betty"), Roy Orbison (“Running Scared”), Gene Pitney ("Something's Gotten Hold of My Heart") entre outros.

Ainda com os Bad Seeds reduzidos a Mick Harvey, Barry Adamson, Blixa Bargeld e Thomas Wydler - o álbum foi gravado entre novembro de dezembro de 1985 em Melborne, Austrália.

O título inspirado no versículo 14 do Capítulo 26 do Livro de Atos, confere atmosfera espiritual do álbum - aquele habitual mergulho no inferno e a busca de redenção - tão caducos, mas preciosos com Nick Cave e os Bad Seeds.



"Nunca cometi nenhum erro, nem quando fiz dueto com Kylie Minogue"


quinta-feira, julho 10, 2003





The Modern Lovers - The Modern Lovers (1976, Beserkley Records)

O primeiro (e único) álbum dos Modern Lovers fez parte do meu imaginário juvenil. Era curioso para conhecer esse álbum desde que li uma resenha do José Augusto Lemos na revista Bizz.

Se era uma banda que econtrava um equilíbrio entre Stooges e Velvet Underground ainda não sei. Vejo alguns ecos do Velvet sim.

Jonathan Richman não era êmulo nem de Iggy Pop ou Lou Reed. Um cantor singular sem maneirismos vocais, se desconsiderarmos o descuido habitual proposital de quase falar sobre as bases tocadas por ele, David Robinson, Jerry Harrison e Ernie Brooks.

Ouça e lembre-se que apesar dos Strokes serem bons, os Modern Lovers fizeram antes e muito melhor.





The Modern Lovers

Por José Augusto Lemos



Do punhado de pessoas que já ouviram falar em Jonathan Richman, a maior parte delas ficou conhecendo seu nome através da gravação de "Roadrunner", feita pelos Sex Pistols, na trilha de "The Great rock'n'roll Swindle".

A história do garoto que, com o seu carro em alta velocidade com o rádio ligado, se descobriu um "apaixonado pelo mundo moderno", botou os discípulos do levante punk para caçar os disco deste precursor de Boston, Massachussets. Uma missão quase impossível - achar os discos de Richman e sua banda, os Modern Lovers - mas que, uma vez cumprida, trazia a recompensa de se encontrar o verdadeiro elo perdido entre o Velvet Underground, os Stooges e a renascença do rock'n'roll nova-iorquino, que foi puxada pelos New York Dolls no início dos anos 70.

Nada comprovava melhor o caráter pacifista dos hippies do que o fato de Richman não ter sido linchado no campus da universidade, entre 70 e 71, quando - de cabelo bem curtinho - cantava, para todos ouvirem, canções como "I'm Straight" ("Eu Sou Careta"). O garato era o mais assíduo freqüentador de shows do Velvet Underground e dos Stooges e, em pouco tempo, montou os Modern Lovers - pois se "sentia muito sozinho". Junto a Ernie Brooks (baixo) Jerry Harrison (o futuro Talking Heads, nos teclados) e David Robinson (na bateria, depois The Cars), Richman usou com chassis instrumental para as suas peculiaríssimas letras uma propulsão encorpada, simplória mas energética, com que as guitarras e o órgão em uma única camada comandavam a clássica "What Goes On", da banda de Lou Reed e John Cale. A mesma base sonora, não por acaso, dos dois primeiros álbuns dos Talking Heads. Além do que, a imagem de rapaz simultaneamente ingênuo e sério retratada nas letras de Jonathan Richman prefigurava a persona "pré-tropicalista" de David Byrne. Como letrista, o cabeça dos "Amantes Modernos" foi insuperável. Em "Pablo Picasso" obtinha a proeza de rimar o nome do pintor com "Asshole", no lapidar verso: "Às vezes você tenta ganhar uma garota e ela te chama de cuzão/Isso nunca aconteceu com Pablo Picasso". E existiram poucas baladas românticas tão originais como "Hospital" em que o protagonista amarga a espera da saída da namorada internada. Em 72, a banda atraiu a Waner, que a levou para Los Angeles, onde gravaram uma demo com John Cale (à esta altura, ex-Velvet e produtor do primeiro álbum dos Stooges), claro, escolha de Richman.

As gravações arrepiaram os executivos da gravadora e ficaram só acumulando poeira em alguma prateleira até que o selo Beserkley as lançasse, quatro anos depois, em forma de "álbun de estréia", capa preta com um coração azul, The Modern Lovers. Apenas duas outras sessões de gravação foram feitas antes de Richman desmontar o grupo original e partir para outra: uma iniciativa auto produzida num estúdio em Boston, logo após a volta de Los Angeles (da qual algumas faixas engrossam o disco da Beserkley), e outra demo produzida pelo incansável agitador californiano Ken Fowley, em 73. Esta última acabou sendo o segundo único registro dos Modern Lovers, também lançado postumamente, pelo selo inglês Bomp! Amadorísticas até a medula, estas gravações valeram mais como curiosidade e ítem de colecionador: não chegavam perto das produzidas por Cale, estas sim, verdadeiros documentos. Mais até do que os New York Dolls, os ML, deram um "too much, too soon" e estavam ao menos quatro anos à frente de seu tempo. Hoje, uma banda como Ween traz uma excentricidade debilóide aparente, embalada em melodias infantis, que é um verdadeiro tributo a Richman. Se não for imitação pura e simples...

Richman está à frente de New York Dools, Suicide, Television, Ramones etc, perdendo em importância só para o Velvet e os Stooges. E ele segue solo cantando a vida no mato, um sorriso e olhos faiscando com uma inteligência que não estamos acostumados a ver no rock'n'roll e no pop. Uma história antiga: a profecia está cumprida e visionário feliz no casulo quentinho do ostracismo.